Visitar página no facebook
Gramática para Todos — O Português na Ponta da Língua
quinta-feira, 25 abril 2019

Gramática para Todos — O Português na Ponta da Língua

Apresentação de Gramática para TodosO Português na Ponta da Língua, de Marco Neves, publicado pela Guerra e Paz, Editores

Fnac Chiado, 24 de Abril de 2019

Antes de mais, gostaria de agradecer o agradável convite do autor, Marco Neves, para apresentar o seu quinto livro sobre português, todos eles publicados pela Guerra e Paz, Editores, e por esta excelente oportunidade para falar um pouco sobre aquilo que mais me motiva: a língua portuguesa. Das obras anteriores, embora todas elas tenham as suas especificidades, há uma que pretendo mencionar pelo seu carácter utilitário e urgente, o Dicionário de Erros Falsos e Mitos do Português.

É meu dever agradecer ainda as palavras proferidas pelo editor Manuel S. Fonseca, da Guerra e Paz, Editores. O meu bem haja.

Antes de entrar na apresentação propriamente dita, desejo partilhar convosco algumas palavras em relação ao Marco, em relação a mim, em relação à língua, na verdade, relativas a todos nós, falantes do português.

Primeiro ponto. Começo por destacar aquilo que nos une, a mim e ao Marco: o facto de sermos profissionais da língua. Trabalhamos diariamente com a língua, com palavras, e comunicamos e divulgamos o nosso trabalho com outros. Atrevo-me a afirmar que temos uma preocupação comum. Atentos à evolução da língua, falamos e escrevemos sobre a mesma, prestamos esclarecimentos, tentamos simplificar e tornar acessível todo um reino complexo e até ilógico por vezes. Muitos dos assuntos abordados pelo Marco,  sobre aspectos particulares do português, vão sendo alvo de registo nessas obras que me são muito familiares: os dicionários.

É um trabalho que se complementa necessariamente. E desenganem-se todos aqueles que acham que é uma tarefa fácil – afinal, todos nós falamos português. A tarefa é árdua, apaixonante, mas agreste. Quantas são as vozes que se insurgem contra nós? Contra o que escrevemos? É um reino onde todos opinam, fervilham, desejando expressar uma determinada opinião, hoje muito visível nas redes sociais, ansiosos por atenção e, por vezes, com comentários bastante despropositados, perdoem-me a sinceridade. Mas não é algo que me aflija. Sabemos bem como as coisas funcionam. Não é um tópico actual, sempre assim foi. Nunca conversei com o Marco sobre este assunto, confesso, mas o meu íntimo diz-me que todos os que trabalham com a língua são alvo fácil. Os espaços que gerimos chegam até a ser uma espécie de muro de lamentações. Aposto que isso acontece contigo (Marco). Ou é o malfadado novo Acordo, ou é porque alguém sempre escreveu de uma determinada forma, ou pela simples resistência à mudança. Há também aquela troca de impressões enriquecedora e em que mutuamente aprendemos, quem nos consulta e nós próprios. Acho por isso muito curioso ser o Marco um «cavaleiro defensor da língua de Camões». O termo cavaleiro encaixa que nem ginjas! Há momentos em que nos vemos envolvidos em verdadeiras Cruzadas. Mas não é uma cruzada qualquer, um movimento em prol do escrever correctamente. Antes de tudo, a vontade, a grande motivação do Marco, penso que o posso dizer, é fazer chegar a palavra, ponderada após observação, reflexão e análise dos usos sistemáticos que todos nós fazemos, atropelando em muitos casos a dita norma.

Segundo ponto. Errare humanum est. Todos erramos. Ponto final. Todos temos necessidade de dissipar dúvidas, de melhorar o estilo, de praticar. Melhor, todos temos necessidade de livros como o que hoje é lançado.

E enquanto planeava a apresentação de hoje, meditava sobre aqueles que considero serem conceitos-chave quando o assunto é uma gramática. Identifiquei quatro conceitos-chave principais, a meu ver, fundamentais: variação, descritivismo (descrição de fenómenos linguísticos sem tentar impor-lhes outras regras ou normas de correção), preconceito e prestígio.

Qualquer língua natural sofre variação ao longo do tempo. E ainda bem que assim é. Esta mesma variação determina a sua vitalidade. Negar esta sentença é rejeitar que a língua é um sistema dinâmico em constante mudança. Uma língua varia ao longo da história, como também ao longo da vida dos falantes que a usam. Como factores de variação, referimos frequentemente os de origem geográfica, o contacto com outras línguas, o nível de instrução, a profissão, a idade dos falantes, e até mesmo o contexto ou a situação em que nos vemos envolvidos pode determinar a forma como comunicamos.

Esta não é uma gramática normativa, ou seja, não é um instrumento que regule o bom uso da língua. Segundo uma perspectiva prescritiva/normativa, a descrição corresponde à “maneira correcta de falar”. Marco Neves segue, por sua vez, uma perspectiva descritiva, sustentada em argumentos da linguística actual, e, como o próprio termo indica, descreve todas as características relevantes para os fenómenos em análise, «o conjunto de usos sistemáticos por parte dos falantes da língua» (p. 23), ou seja, não há juízos de valor, descrevendo o sistema sem preconceitos.

Chegamos assim a um outro conceito-chave: o preconceito. Apesar de estarmos perante uma obra que tem por base o estudo do português-padrão, veiculado pela escola e pelo ensino, vimos que a perspectiva é descritiva. Muitos erros ou até simples desvios à norma ocorrem frequentemente, consequência da variação linguística. Atento, Marco Neves tem lutado contra esses «polícias da língua», que mais parecem querer negar o óbvio – a já referida variação.

E não há dúvidas: uma boa competência linguística é um factor de prestígio social. É importante saber escrever bem. Não nos esqueçamos, porém, que até este conceito de prestígio pode sofrer variação.

5920379122580263209304242265024357292048384o
5899455322580259575971278728980056514232320o
5838457622580261975971033795182821010571264o
5837462622580264975970738169593998235664384o

Em vésperas de Liberdade, reunimos aqui, neste final de tarde chuvoso, para o lançamento de Gramática para TodosO Português na Ponta da Língua.

A primeira pergunta a fazer é: o que é uma gramática? Pesquisando a entrada «gramática» num dicionário, encontraremos, de uma forma geral, diferentes acepções que apontam para: um conjunto de prescrições, ou seja, as regras da língua; o livro ou manual que descreve essas regras; termos para descrever essas regras. Quais os objectivos desta publicação? Ora, é o próprio autor que nos esclarece: «ajudar a escrever um pouco melhor» (p. 16) e «que o leitor sentisse algum prazer pela redescoberta do mecanismo que tem dentro da cabeça» (idem), uma ideia que é reiterada ao longo de toda a obra. Por último, serve ainda como auxiliar de uma terminologia actual, modificada há uns anos e que, por isso, poderá ser desconhecida pelas camadas mais velhas dos falantes.

Lemos na sinopse: «Este é um livro para leitores dos 8 aos 80 anos», ou seja, para todas as idades. Vamos, então, pôr os pontos nos i: eu diria que estamos diante de uma obra inesperada, inovadora e imprescindível.

INESPERADA: «Esta é uma gramática um pouco diferente do habitual. Para aguçar o apetite, digo apenas isto: começa com uma viagem de carro até uma loja da Harley-Davidson, em Lisboa...», e faço minhas as palavras do próprio autor numa das comunicações a anunciar o lançamento de hoje. Tudo começa numa aula de condução do próprio Marco. Estaríamos nós à espera deste arranque? Não creio. É inesperado. Ou melhor, talvez quem já conheça bem o estilo de Marco Neves pudesse deduzir que o começo seria surpreendentemente original e leve e ditaria o início de uma viagem em que somos conduzidos pelo próprio autor, e de mãos dadas, partiremos à descoberta de um reino fascinante. Mas que reino é este? Refiro-me obviamente à descoberta de aspectos particulares da nossa querida língua portuguesa, as regras do português. É que não é por acaso que o autor refere esta imagem, em que muitos de nós já fomos protagonistas. Sentados ao volante de um automóvel nessa experiência de ter as primeiras lições de condução. Quem passou pelo processo, sente-o como algo natural, algo que foi apreendido. Somos levados até questões que diferenciam a oralidade da escrita. Mas aprender a gramática, conhecer uma língua, as suas regras, o seu funcionamento, não será mais como aprender a andar? E não me quero alongar muito mais, numa tentativa de aguçar o apetite pela leitura do livro que tenho em mãos. Em comunicações ou formações, é meu hábito insistir neste ponto: nós, falantes de português, temos, sobretudo, memória gráfica. Quantos de nós somos capazes de elencar todas as regras de escrita, ou seja, por exemplo, justificar porque acentuamos determinadas palavras?  Sabemos que leva ou não acento e ponto. É o que acontece na maior parte dos casos.

INOVADORA: Ao abrir uma gramática tradicional de português, encontraremos, seguramente, os seguintes capítulos de análise linguística: fonética e fonologia (estudo dos sons); morfologia (estudo das formas das palavras e da sua estrutura interna); léxico (estudo da organização das palavras no léxico); sintaxe (estudo da maneira como as palavras se combinam para formar orações e frases); e semântica (estudo do significado de elementos linguísticos). Pois nesta gramática quem prima é a originalidade.

Quase que aposto que, numa gramática tradicional, nenhum leitor irá optar por ler sequencialmente cada capítulo. O que geralmente ocorre é a consulta de um tópico previamente seleccionado para a resolução de uma determinada dúvida. No caso da gramática em apreço, deixo-vos um convite: leiam-na, e leiam-na primeiramente, de uma assentada. O Marco Neves, exercendo os seus sete ofícios, é um conversador por excelência, um bom contador de histórias. Mergulhe nessa narrativa, nesse diálogo que ele estabelece connosco e aperfeiçoe o seu português. Os assuntos, por vezes, são muito complexos, mas o Marco desmonta-os, descreve o mecanismo, fala das avarias, e põe-nos novamente em marcha.

IMPRESCÍNDIVEL: É um livro para ter sempre à mão. De uma linguagem acessível, é, sem dúvida, um instrumento prático. E aqui destaco a abundância de exemplos que sustentam a descrição de todos os factos linguísticos apresentados ao longo do livro. Tudo em prol de um aperfeiçoamento da escrita, o que justifica necessariamente o subtítulo: «o português na ponta da língua»

Organização interna da Gramática para Todos

Redigida segundo as normas do acordo ortográfico de 45/73, em 160 páginas, Gramática para Todos espelha também o estilo do seu autor, Marco Neves, na organização da obra, dividida em cinco grandes partes: 1) O que é uma regra de português? 2) O armazém das palavras; 3) A máquina das frases; 4) Como criar um texto; 5) O verniz da escrita.

Iniciamos a viagem, primeira parte, visitando alguns conceitos fundamentais, como a origem das regras, as disciplinas linguísticas, a noção de gramática, a norma. Partimos depois em busca das primeiras peças que se juntam para formarem palavras, entrando no mundo da morfologia, em que abundam os exemplos, e somos confrontados com dúvidas que nos assolam diariamente: qual o plural de filhós; filhós ou filhoses? E até saberemos se «beijinhos grandes» é uma contradição, e muito mais. Entrando no capítulo intitulado «A máquina das frases», terceira parte, percorreremos questões de sintaxe. E, voltando ao estilo do autor, convido-vos a conhecer o início deste capítulo: «Imaginemos um palco escuro. De repente, surge um foco de luz que incide num objecto. Uma voz-off conta-nos, então, uma história sobre esse objecto.» (p. 73). Inesperado, uma vez mais. Esta imagem serve para explicar o funcionamento de uma frase. E mais não digo. Quero ainda destacar um subcapítulo curioso «Como escrever frases inesquecíveis». Entramos, de seguida, no domínio da criação e organização do texto. Já próximos do fim da viagem, teremos oportunidade de percorrer mais de 40 paragens. São dúvidas frequentes do português até chegar ao reino da pontuação e da acentuação, do hífen e outros sinais auxiliares da escrita, abreviações, sem esquecer do emprego de maiúscula inicial.

Se a obra tem início com uma aula de condução, os meus olhos não puderam deixar de observar uma panóplia de vocábulos associados ao campo lexical da mecânica: maquinaria, peças, avaria, máquina, mecanismo, armazém, parafusos, oficina, entre outras. Recursos inteligentemente usados pelo autor e que contribuem para o prazer da leitura.

Antes de terminar, queria ainda fazer referência à iniciativa promovida pela editora Guerra e Paz na rede social Facebook como forma de divulgação desta obra, «O Mata-Dúvidas», em que têm sido publicados posts com dúvidas frequentes do português, exemplos retirados desta gramática.

Usando a imagem do autor, convido-vos a embarcar nesta aventura. Vamos conhecer o reino da gramática, treinando quanto baste, e estou certa de que, conduzidos pelo Marco, chegaremos a bom porto. Para lá das regras que podem ser revisitadas neste livro, «devemos ler, ler muito, sem parar, saboreando as palavras e as frases dos bons livros, que são um dos grandes prazeres do mundo» (p. 97).

Iniciei a apresentação referindo que Gramática Para Todos é o quinto, mais precisamente o sétimo livro de Marco Neves. Face a este cenário, só me resta afirmar: Parabéns, Marco, pelo trabalho desenvolvido, pela intensa produção, pela paciência, pela paixão. Enquanto portuguesa, e penso que posso falar por todos os portugueses, agradeço, agradecemos, o teu trabalho. A pergunta que fica no ar? «Sobre o que é o próximo livro?» Manifesto, por fim, a minha gratidão pela disponibilidade e pela vossa presença.

Ana Salgado

Lisboa, 24 de Abril de 2019

Mais informações:

https://www.guerraepaz.pt/inicio/541-gramatica-para-todos.html?search_query=Gramatica&results=1

https://www.certaspalavras.net/gramatica-para-todos-o-portugues-na-ponta-da-lingua/?fbclid=IwAR2B7J38SUgrA_eA8IphCMp8SY871hqHxeTLMuL73V_d6QULdifegK7iwyE

Comentários (0)

Deixe um comentário

Está a comentar como convidado.